Recursos naturais preocupam construção
Muito mais abrangente do que sua primeira edição, realizada no final de 2009, o 2º Simpósio Brasileiro de Construção Sustentável mostrou que as discussões sobre o tema tornam-se cada vez mais complexas e multidisciplinares. A escassez de recursos naturais não renováveis e as mudanças climáticas foram a tônica dos debates.
Sob o viés da sustentabilidade dos edifícios, o evento promovido pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) fomentou discussões mais amplas, como a redução do consumo de água e energia elétrica, o uso sustentável de madeira e a gestão eficiente dos processos de produção e consumo. Profissionais do meio acadêmico e da cadeia produtiva, que há tempos vêm se dedicando a estudar e debater o papel da construção civil nas emissões de gases geradores do efeito estufa, alertaram para o aumento acelerado da demanda de recursos finitos.
Professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e coordenador do Comitê Temático Água do CBCS, Orestes Marracine Gonçalves mostrou gráficos contendo previsões de aumento da demanda de água até 2030, o que requer, segundo ele, a tomada de decisões urgentes para a redução do consumo. “No estado de São Paulo, considerando os usos em agricultura, áreas urbanas e agroindústria, a demanda poderá crescer 43% nos próximos 30 anos”, diz Marracine. E isso levando em conta que a Região Metropolitana de São Paulo tem cerca de 20 milhões de habitantes - embora, em outro cenário, uma macrorregião metropolitana, composta por cidades num raio aproximado de cem quilômetros da capital, possa elevar essa população para cerca de 27 milhões de pessoas. Nessa região, o uso urbano é mais elevado e há tendência de crescimento.
Marracine adverte que é preciso trabalhar a demanda de água, em vez da oferta. “Os edifícios vão mudando, aumenta a complexidade do projeto, da manutenção, da construção. Não dá mais para trabalhar apenas com a visão do projeto e da execução. É necessário o gerenciamento, a engenharia de facilities”, diz Marracine, que coloca a gestão do consumo de água como ferramenta para definir estratégias para o setor. “Essa questão deve fazer parte de uma visão sistêmica, relacionando o sistema público e o sistema predial de distribuição”, afirma.
Do berço ao berço
A visão sistêmica também foi defendida pelo norte-americano Charles Kibert, diretor do Powell Center for Construction and Environment. “Nossa economia está registrando uma nova onda desde a Revolução Industrial. E precisamos redesenhar um programa para a construção sustentável”, ele afirma. A ideia é que se utilize um ecossistema integrado, com a adoção do design passivo e de processos que buscam o reaproveitamento máximo de todo tipo de material. Como características de edificações sustentáveis, Kibert citou o projeto regenerativo, a sinergia homem/natureza, o reúso, a reciclagem e o ciclo fechado de materiais, além do uso racional de água. Dessa forma, é preciso projetar pensando na vida útil da construção e na reutilização dos materiais. “O processo, portanto, deve ser ‘do berço ao berço’ e não do ‘berço ao túmulo’. A restauração do ecossistema é a chave”, ele afirma.
A onda verde vem, portanto, adquirindo novo significado. Também presente ao simpósio, o arquiteto Brandon Haw, sócio sênior e responsável pelo desenvolvimento de projetos internacionais do escritório Foster + Partners, buscou o exemplo da indústria automobilística, que tem investido em projetos de veículos menores e mais eficientes. “A sustentabilidade deve ser econômica, social e do meio ambiente. Temos que pensar em novos modelos de edifícios”, diz Haw, observando que é preciso criar uma realidade sustentável e pensar em opções práticas para a redução de gases do efeito estufa. Em sua opinião, desenvolver a sustentabilidade econômica, social e ambiental requer equilíbrio entre diversos setores, principalmente o privado e o público.
“O clima da terra está aquecendo e não temos como duvidar disso. Do ponto de vista prático, a indústria e a tecnologia melhoraram muito a vida do ser humano. Mas trouxeram também os problemas que estamos enfrentando, de geração de gases do efeito estufa e mudanças climáticas. Não sabemos qual é a pegada de carbono da construção civil e não temos metas. O Brasil usa pouca madeira para a construção, mas a maior parte dela é ilegal. O ar condicionado prestou um desserviço à engenharia porque tornou possível a vida em qualquer absurdo arquitetônico”, afirma Vanderley M. John, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e coordenador do Comitê Temático Materiais do CBCS. Mas a situação vem mudando nos últimos 20 anos, segundo ele. Em parte graças aos sistemas de construção industrializada, que permitem uma obra mais limpa e mais racionalizada, e à entrada no mercado de materiais como válvulas de dupla descarga, torneiras automáticas, limitadores de vazão de água e concreto de alta resistência. No entanto, essa evolução ainda é muito lenta, observou.
O evento lotou o auditório do Centro de Convenções do WTC, em São Paulo, no final de agosto. Na ocasião também foi lançado o Relatório de avaliação de políticas públicas para redução da emissão de gases de efeito estufa em edificações, iniciativa coordenada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em parceria com a Universidade da Europa Central (CEU). A íntegra das palestras do 2º Simpósio Brasileiro de Construção Sustentável está disponível no site www.cbcs.org.br.
Texto de Cida Paiva
Publicada originalmente em FINESTRA
Edição 59 Dezembro de 2009
ARQUITETURA AO ALCANCE DE TODOS
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